Com a crescente explosão do profissionalismo esportivo e a supervalorização do corpo perfeito, a busca pelos melhores resultados tem levado atletas e praticantes de atividades físicas a realizarem altos volumes de treinamento. Porém, ao invés de trazer benefícios, o excesso de estímulos impede as adaptações fisiológicas e pode levar ao overtraining, um sério problema que acontece quando o organismo é submetido a uma sobrecarga exagerada sem que haja o devido descanso, levando a graves alterações cardiovasculares, metabólicas, hormonais, motoras e psicológicas que causam estagnação ou perda significativa de desempenho (Kuipers, 1996). Estudos revelam que além da sobrecarga imposta pelos treinos, outros fatores também podem predispor o indivíduo à síndrome do overtraining, como: muitas competições anuais, treinos monótonos e repetitivos, condições patológicas pré-existentes, nutrição inadequada e, principalmente, a falta da orientação de um profissional de educação física especializado.
Apesar dos poucos registros, estudos demonstram que os sintomas de overtraining já foram observados em até 50% dos jogadores de futebol semiprofissionais, 65% dos corredores de longa distância e em 21% dos nadadores em equipes nacionais em algum momento da sua carreira profissional (Gastmann & Lehmann, 1998).
É inquestionável que a homeostase fisiológica necessita ser “quebrada”, entretanto, um descanso adequado deve ser oferecido com objetivo de favorecer a completa recuperação e consequentemente uma melhora na performance. Esse processo é denominado supercompensação, estágio em que o anabolismo supera o catabolismo favorecendo as adaptações fisiológicas. Saber e reconhecer o momento exato da supercompensação é muito importante, pois se a recuperação não for suficiente às consequências poderão levar a um estado de overtraining que pode durar meses ou mesmo anos.
O overreaching é considerado um estágio anterior ao overtraining, porém dura apenas algumas semanas e pode ser revertido com descanso adequado (Fry & Kraemer 1997), já o burnout são as consequências psicofisiológicas causadas pelo excesso de treinamento, e podem levar a desistência da atividade pela a falta de satisfação (Smith, 1986).
A síndrome do overtraining é caracterizada por uma disfunção do eixo hipotálamo-hipófise devido a um estresse repetitivo de natureza física ou psicológica, o que contribui para uma desordem neuroendócrina, fator principal de sua patogênese (Rogero & Tarapegui, 2005). Esse desequilíbrio pode causar uma fadiga crônica generalizada, distúrbios do humor, confusão mental, depressão, aumento do índice de enfermidades e lesão (Ghorayeb & Barros, 1999), perda do apetite, aumento da frequência cardíaca de repouso, infecções, gripes, distúrbios do sono, desinteresse pelo treinamento (Simões, et al 2003), perda de peso, pressão arterial elevada, distúrbios gastrointestinais, e dificuldade na recuperação dos estímulos (Tourinho Filho & Rocha, 1999).
Muitos acreditam que a intensidade do treinamento seja a principal causa do overtraining, porém muitas pesquisas têm demonstrado que o aumento do volume (quantidade) é mais propício a trazer resultados negativos que os incrementos na intensidade (Gentil, 2005). Essa relação volume/intensidade tem sido alvo de muitas pesquisas nas quais a mensuração periódica das taxas de hormônios esteroides como testosterona (anabólico) e cortisol (catabólico) são frequentemente analisadas com o objetivo de indicar se o treinamento está induzindo ou não a uma resposta adaptativa. A razão testosterona/cortisol (T/C), em suas concentrações plasmáticas, pode ser utilizada como sinalizadora do nível de anabolismo/catabolismo apresentado pelo organismo. Uma queda maior que 30% nos valores de repouso pode significar uma incompleta recuperação dos estímulos impostos (Banf et al,1993; Vervoorn et al,1991).
Em 2003, Simões e colaboradores analisaram o comportamento desses hormônios e a sua relação com o volume e a intensidade do treinamento de corredores velocistas e fundistas, comparando a razão (T/C) antes e depois de um mesociclo de treinamento. Os resultados revelaram que o grupo de corredores fundistas que realizou treinamento de maior volume apresentou maior incidência de queda na razão T/C quando comparado ao grupo de velocistas que realizou treinamento de menor volume e maior intensidade, sugerindo que a razão T/C é mais influenciada negativamente pelo volume do que pela intensidade dos treinamentos.
Diversos parâmetros têm sido avaliados e utilizados no diagnóstico do overtraining, tais como (McKenzie, 1999):
– Concentração plasmática de glutamina;
– Avaliação psicológica;
– Tempo de fadiga em exercício em ciclo ergômetro a 110% do limiar anaeróbico individual;
– Concentração de imunoglobulina A salivar;
– Elevação das proteínas musculares no plasma (glutamina, creatina quinase, mioglobina, fragmentos de miosina).
– Análise da curva de lactato
– Diminuição dos estoques de glicogênio intramuscular
– Razão testosterona / cortisol
– Resposta a estímulos elétricos
O diagnóstico do overtraining é muito complicado, não existe, ainda, nenhum critério exato, geralmente os médicos e treinadores tendem a buscar outras doenças antes que a confirmação seja feita. Apesar do overtraining ter sido descoberto na década de 1970, muitos aspectos específicos ainda não estão claros. Os investigadores estão buscando formas de determinar o que acontece aos atletas quando se inicia o overtraining. Como a condição patológica e fisiológica do corpo inteiro progride? Se estas questões pudessem ser respondidas seria possível determinar critérios uniformes de identificação capazes de prever, diagnosticar e curar com maior eficiência a síndrome do overtraining. A prevenção é a melhor solução, assim é muito importante que atletas, treinadores e médicos fiquem atentos para reconhecer os sinais de advertência antes que a síndrome se instale.
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